Em março deste ano, a soja era comercializada a R$ 53 a saca. Em setembro de 2002, a R$ 32. Hoje em dia, o preço caiu para R$ 28. Para o próximo ano, mantido o atual nível do câmbio e de preços internacionais, estima-se em R$ 23, contra um custo médio de produção de R$ 30.
Esse é o cenário armado pelo Banco Central, com sua política cambial atual, de permitir a apreciação do câmbio. O que leva a essa loucura, que pode trazer de volta o fantasma da crise cambial?
A teoria econômica tradicional sempre considerou a poupança externa como suplementar à poupança interna. Reza ela que um país sem poupança doméstica, se não quiser sacrificar seu consumo para investir, deve criar um déficit na conta corrente para abrir espaço para a entrada da poupança externa salvadora.
Valia para países emergentes com problemas no balanço de pagamentos. A cada soluço de crescimento, precisava-se importar mais (bens de capital, insumos), levando ao estrangulamento externo. Aí a poupança externa ajudava a fechar as contas.
Mas e o país da jabuticaba, que tem saldo em contas correntes?
Exponho as dúvidas a seguir como indagação aos distintos especialistas: o modelo falhou nesses dez anos, ao criar o déficit em conta corrente sem gerar a contrapartida de investimentos, por erro de implementação ou por um problema conceitual mais profundo?
Confira-se, na prática, o que ocorre com esses princípios:
1) Com superávit nas contas externas, a tendência é a apreciação do câmbio, tornando os produtos nacionais mais caros e afetando a balança comercial. Para evitar esse efeito, o BC compra dólares no mercado. Ao comprá-los, emite reais, aumentando a liquidez (volume de moeda) na economia, o que pode ter conseqüências inflacionárias.
2) O BC pode retirar esse volume adicional de reais, por meio de mecanismos como colocação de títulos e/ou aumento do compulsório (retenção de parte dos depósitos bancários). Se a liquidez é 100 e entram 10 de crédito externo, para manter o mesmo nível de 100, os 10 cortados obviamente o serão do crédito doméstico. É esse mecanismo que explica o corte violento de crédito doméstico a partir de 1995, coincidindo com a entrada violenta de capital financeiro externo. Estrangulam-se as pequenas e médias empresas por meio do chamado efeito-substituição -do crédito externo substituindo o doméstico, em vez de complementá-lo.
3) A segunda alternativa é o Banco Central permitir o aumento da liquidez, não constituindo reservas e reduzindo os juros. O real aprecia e há uma expansão do dinheiro em circulação. Mas essa expansão poderia ocorrer da mesma maneira, mesmo sem o ingresso dos dólares. Bastaria ao BC reduzir os juros (e o montante da poupança nacional comprometida com o financiamento da dívida) ou o compulsório.
O que criou essa subordinação da política monetária à cambial foi a total liberdade de fluxo de capitais externos -que, em vez de complementar a poupança doméstica, acabou se tornando um sorvedouro dela, para pagar a dívida gerada por essa abertura indiscriminada.
Fonte: Luís Nassif da Folha de São Paulo em 10/11/2004
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